sexta-feira, 24 de julho de 2015

Pintura em suspensão

Quantas vezes relutamos em aceitar o fim de uma pintura, de um trabalho, de uma relação, de uma vida? Estava pintando esta tela para meu querido amigo, arquiteto talentoso, Fábio Dikesch da Silveira, mas o seu caminho foi interrompido pelo destino, lembrando que, por mais que a gente tente assumir as rédeas, a vida tem suas próprias regras, o seu próprio ritmo e os acontecimentos podem não fazer sentido. A vida apenas é.
Meu amigo, que faças uma bela passagem, com todo amor e carinho que ativaste em quem conviveu contigo. E a pintura seguirá tua, em suspensão.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

O corpo do tempo - sobre mostra “Homenagem a um animalzinho que ficava fingindo ser humano e inventava coisas todo o tempo”, de Adrián Montenegro


Abertura da Vitrine 2015 no .Aurora
O espaço .Aurora abre nesse sábado, dia 09/05, sua Vitrine pela primeira vez no ano. O primeiro artista a ocupar o espaço no ano de 2015 é o colombiano Adrián Montenegro, selecionado por chamada pública.
Com “Homenagem a um animalzinho que ficava fingindo ser humano e inventava coisas todo o tempo” Adrián cria mecanismos que nos rementem à memória e a contagem do tempo. Uma instalação de 365 lápis de cor, cada um com sua respectiva inscrição de dia e mês, dialoga com os desenhos feitos com eles, encontrados dentro da mapoteca.
O trabalho ainda conta com o acompanhamento da gestora e artista Lilian Maus, que além de integrar o juri de seleção do Vitrine 2015, estabeleceu um diálogo com o artista do qual originou um vídeo e um texto.

https://vimeo.com/126053505

Serviço:
Vitrine 2015 : Adrián Montenegro
curadoria Lilian Maus
Abertura Sábado 09/05 às 14h
Até 06/06
Visitação Sextas das 14h às 19h ou com agendamento
Rua Aurora, 858, 1ºandar, República, São Paulo
f +55 11 3337-6738

 
O corpo do tempo


Não houve tempo nenhum em que não fizésseis alguma coisa,
pois fazíeis o próprio tempo.”1


Adrián Montenegro, colombiano residente em São Paulo, inaugura o projeto Vitrine 2015 com a exposição “Homenagem a um animalzinho que ficava fingindo ser humano e inventava coisas todo o tempo”. O artista, com um humor delicado, herdado tanto de sua cidade natal Pasto, como de suas leituras de comics, apresenta uma instalação composta por desenhos e objetos que exploram graficamente o espaço interno e externo das gavetas de uma mapoteca, fazendo-nos ir e vir de cenas da memória.
 
Primeiro ato:
Cena I:
Nosso olhar percorre o trajeto construído por uma coleção que ordena 365 lápis de cor, conectando-os uns aos outros em arranjos articulados por fitas adesivas. Cada um deles traz uma inscrição de um dia e mês particular, o que faz com que atuem como um calendário sem ano determinado. Aos nossos olhos, o conjunto remete a um animalzinho estranho. Seria ele uma espécie de Odradek? O notável personagem criado por Franz Kafka, cuja natureza e função são indecifráveis, costuma atiçar a curiosidade das crianças e dos adultos durante suas aparições nos recantos das casas de família. Diante desse enigma, nosso ímpeto é dirigir-lhe perguntas muito simples, tais como: quem és? Para onde vais? O que te trouxe? Até quando permanecerás? Em resposta, o pequeno ser em formato de carretel, cujas linhas se enredam em pedaços sustentados por hastes de uma estrela quebrada, silencia feito a madeira que parece revesti-lo. Outras vezes, ele, mesmo que sem pulmões, ri ou solta sussurros de folhas secas.
Certo é que tanto Odradek como a pequena criatura de Adrián não nos oferecem respostas precisas. Ambos os experimentos artísticos provocam torvelinhos que nos fazem retornar às questões fundamentais, despertando os olhos vívidos da nossa criança adormecida. As respostas, então, com sorte, podem brotar como palpitações que florescem ao longo das estações de uma vida.
Cena II:
Continuamos a investigar a criaturinha, impelidos agora também a farejar os mistérios guardados no interior da mapoteca vermelha sobre a qual ela se sustenta. As gavetas nos trazem desenhos em papel, realizados com traços leves e coloridos, onde Adrián figura o irrisório e decalca aquilo que, por tantas vezes, é esquecido em nossos armários ou descartado de nossa memória. Desses conjuntos de objetos representados saltam de dentro de uma das gavetas 60 bolas de meias desenhadas. Por um instante, é possível retornar à nossa própria aurora, quando ainda aquelas mãos pequeninas e delicadas lançavam-se inteiras a vasculhar os esconderijos da nossa casa da infância.
A aventura atraente e deliciosa de mergulhar a mão dentro dessas bolsas de meias é belamente descrita no texto “Armários”, de Walter Benjamin, em Infância berlinense por volta de 1900. Quando criança, Benjamin se deixa levar pelo prazer, ao deslizar os dedos em direção às profundezas das bolsinhas, até tocar a massa lanosa alojada ao fundo. Ao puxar esse “trazido junto”2, acontecia algo surpreendente: o conteúdo desaparecia! E, assim, a superfície e o avesso tornavam-se ainda uma terceira coisa: o par de meias por ele já conhecidas.
Na obra de Adrián, essas experiências são resgatadas através da linha singela do desenho que captura objetos fugazes. Cildo Meireles, em entrevista a Frederico Morais, fala do desenho como “algo tão frágil e veloz como um beija-flor3. Nesse sentido, ordenados em coleções, os desenhos de Adrián buscam suspender o tempo, fazendo-nos questionar a natureza paradoxal do arquivo que, ao passo que armazena e organiza a nossa memória, também faz com que percamos as coisas guardadas de vista. O fato é que a memória não pode ser traçadas sem o borrão do esquecimento.

Segundo ato:

Cena Final:
Mas do que, afinal, é feito o tempo? De Passado, de presente e de futuro? Talvez fosse melhor falarmos de “presente do passado”, “presente do presente” e “presente do futuro”, como sugere Santo Agostinho. Em matéria de tempo, avistamos memórias e esperanças eternamente sob a névoa do presente. O teólogo do séc. IV vê o tempo como uma espécie de reação, convulsão a esse princípio de eternidade. É uma maneira com a qual a realidade pode ser percebida por nós de um modo palpável e divisível, sendo ela regida pela alternância entre a vida e a morte. E o nosso tempo aqui é curto!
Durante a vida, é preciso reinventar e sincronizar constantemente os nossos relógios, como o faz Adrián Montenegro em sua obra, generosamente, exibida à público no espaço independente .Aurora. 
 
1 AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 322
2 Em alemão, a expressão utilizada “Mitgebrachte” também pode ser traduzida como “tradição”.
3  MEIRELES, Cildo: Algum desenho (1963-2005). Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2005. Catálogo de exposição, p.56.





terça-feira, 10 de março de 2015

MONUMENTO VIVENCIAL, do Osmar Dillon

Hoje me deparei com os registros do projeto MONUMENTO VIVENCIAL, do Osmar Dillon:

um espaço na forma de um grande cone em espiral em que o caminhante segue rumo ao SUBSOLO, da luz à escuridão, até se deparar com a palavra SÓ e voltar a superfície em caminho inverso e acabar na luz externa.

"Era uma linguagem balbuciando, vinda de quase nada para deixar a semente."


sábado, 7 de fevereiro de 2015

Mucugê - Cemitério Bizantino

 

Da cidadezinha de Mucugê avisto a montanha que brilha junto àqueles que habitam o sono eterno.
É no pé deste rochedo cinzento que brota esta outra Mucugê ainda mais diminuta, uma delicadeza em estilo bizantino e gótico. Ela é toda branca, feito as nuvens que tenta abraçar. Alva a ponto de alfinetar os olhos de seus transeuntes. Suas casinhas têm arestas imprecisas e arredondadas que marcam os limites do que os olhos, imunes à morte, não podem focar. Por um instante, esqueço que o tempo existe e me deixo flutuar nesta atmosfera luminosa que obriga o olhar a se voltar para dentro e o corpo, a levitar entre rochedos.
Essas moradas se erguem do branco dos ossos dos garimpeiros que seguiram viagem, dos filhos que fugiram dos braços das mães que choram, dos velhos que cumpriram seu destino, dos amantes que agora só flertam em sonho.
Atrás do véu da saudade, as duas Mucugês convivem em um diálogo silencioso, lembrando aos vivos e aos mortos que estamos apenas de passagem e lançando-nos a promessa de um encontro possível entre os beijos das rochas e das nuvens.









Mucugê e a escrita branca sobre branco

"Mais um instante só... E rompe-se o véu...A terra...O que é da terra...Ao céu...ao que é do céu! "