sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Marina

O mar, barreira intercontinental intransponível até o final do século XV, configurava uma baliza divisora entre natureza e cultura. A promessa de alcançar as terras incógnitas do além-mar fez desse mesmo mar o tema central da geopolítica do século XV até o séc. XVIII, aparecendo com destaque nas pinturas europeias do período. 
Na arte do século XIX e XX há um enfoque maior sobre a ideia de "paisagem" e, dentro deste contexto, T.S. Eliot recuperará o sublime mar em sua poesia, com sua onda terrível e, ao mesmo tempo, deslumbrante.


Marina

(...)
O gurupés no gelo se espedaça, a pintura ao calor estala.
Eu o fiz, e esqueci
E recordo.
A cordoalha frouxa e o velame em farrapos
Entre certo junho e outro setembro.
E o fiz desconhecido, semiconsciente, ignoto, meu.
O verdugo da carcaça faz água, as fendas reclamam o calafate.
Esta forma, este rosto, esta vida
Vivendo por viver numa esfera de tempo que me excede. Que
eu possa
Renunciar à minha vida por esta vida, à minha fala pelo
inexpresso,
O desperto, lábios abertos, a esperança, os novos barcos.

Que mares que praias que graníticas ilhas contra minha
quilha
E que tordo chama através a neblina
Minha filha.

(fragmento do poema de T. S. Eliot)

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Vale aqui uma nota sobre o tordo, que pode ser tanto um tipo de pássaro, como de peixe. Como se pudéssemos, nessa atmosfera úmida, vislumbrar nas profundezas do mAR esses dois tipos de mergulho, entre leveza e gravidade, oscilando entre sombra e luz, como o branco e negro intercalam-se no pêlo do tordilho.
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Abaixo está a obra The Rejalma, pintada pelo artista holandês Jeronimus van Diest, em 1673. A pintura integra a exposição "Mare Nostrum: The Rejalma e a arte das marinhas", realizada na galeria Ruben Berta de julho a agosto de 2016, em Porto Alegre/RS, com curadoria de Flávio Krawczyk. A obra é a mais antiga do acervo do estado e foi doada pela viúva do Ruben Berta à pinacoteca, que inspirou também este post.




quarta-feira, 4 de maio de 2016

Osório: travessia lacustre em homenagem aos náufragos de 1947

"Eu já fui e voltei 4 vezes, ainda não chegou a minha hora."
José, o pescador. 

Ele diz ser de gêmeos, (não, não se trata de signo, ele tem um irmão gêmeo) e atravessou comigo hoje a remo de taquara, quando muitos preferem o barulho do motor, a Lagoa do Marcelino, do Peixoto até o canal de entrada da Pinguela, em Osório, quando o vento Minuano interrompeu nosso destino exatamente no mesmo ponto dos náufragos de 1947, tragédia esta da qual o tio do José escapou com vida, apesar de queimado, após subir a caldeira do barco Gonçalves. Tivemos maior sorte.
Há partidas com retorno, outras não.
Semana passada o beija-flor, barco do José, havia sido roubado, quase cancelamos nossa travessia. Mas José não desistiu. Seu Marino, amigo pescador, acabou avistando o beija-flor vagando sem dono sobre as águas da Pinguela, que seria nosso destino e retorno. Entendemos que ele quis ir antes de nós, talvez estivesse abrindo caminho no junco.
Hoje, transportados pelo beija-flor resgatado, nosso limite não foi a Pinguela almejada, mas a lagoa do Peixoto, nome este que sempre me lembra Mário Peixoto e o filme Limite. No limite de Peixoto descemos e amarramos o beija-flor numa árvore costeira, esperamos a força do vento baixar, mas ele seguiu soprando forte, varrendo as nuvens do céu e modelando carneiros nas águas. À nossa frente, durante a espera, uma roda de gente se formava, pareciam animados, de túnica branca banhavam-se em ritual na lagoa, ignorando o frio trazido pelo Minuano. Era dia de batismo. Para eles e para nós.
Uma viagem só de ida, voltamos para casa por terra, mas com os pés molhados.





terça-feira, 15 de março de 2016

Rimbaud e a Alquimia do verbo

DELÍRIOS II
Alquimia do Verbo


"Para mim. A história das minhas loucuras. Há muito me gabava de possuir todas as paisagens possíveis, e julgava irrisórias as celebridades da pintura e da poesia moderna. Gostava das pinturas idiotas, em portas, decorações, telas circenses, placas, iluminuras populares; a literatura fora de moda, o latim da igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossos antepassados, contos de fadas, pequenos livros infantis, velhas óperas, estribilhos ingênuos, ritmos ingênuos. Sonhava com as cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião esmagadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias. Inventava a cor das vogais! - A negro E branco, I vermelho, O azul, U verde. Regulava a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos, me vangloriava de ter inventado um verbo poético acessível, um dia ou outro, a todos os sentidos. Era comigo traduzi-los. Foi primeiro um experimento. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens."

RIMBAUD, Athur. Uma Estadia no inferno. 2ª Ed. Tradução Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1983, p.91

A vida é pulso ou recomendações Deleuzianas para ouvir a música das esferas


sexta-feira, 11 de março de 2016

Montanha Silenciosa de Bill Viola

Por um momento de suspensão, em que os pés flutuam com a arte de Bill Viola: https://www.youtube.com/watch?v=vsUfMaXiANs (especial atenção para o trabalho "Silent Mountain", um testemunho da capacidade humana de resistir à autodestruição, a quietude depois do grito)

The Prelude, de Wordworth


 Manuscrito de O Prelúdio(1805), caligrafia da esposa Mary do escritor William Wordworth:
(18, caligrafia da esposa Mary:
http://www.bl.uk/collection-items/manuscript-of-the-prelude-by-william-wordsworth





"Os guias, os guardas de nossas faculdades,
E intendentes de nosso trabalho, homens vigilantes
E hábeis com a usura do tempo,
Sábios, que na sua presciência controlariam
Todos os acasos, e ao caminho
Que criaram nos confinariam,
Como máquinas."


Aqui um tour inspirador pelos lagos ingleses:
http://www.bl.uk/romantics-and-victorians/articles/wordsworth-and-the-sublime 


KUBLA KHAN Samuel Taylor Coleridge (1798), resgatado por Borges em "ruínas circulares"

En Xanadú se hizo construir

Kubla Khan un fastuoso palacio:

Allí donde el sagrado río Alfa discurría

a través de grutas inconmensurables para el hombre

hasta precipitarse en un mar sin sol.

Así pues, diez millas de terreno fértil

fueron cercadas de muros y torres:

y surgieron jardines en los que brillaban sinuosos arroyos

y donde crecían abundantes árboles del incienso;

y había bosques tan viejos como las colinas

rodeando los prados iluminados por el sol.

¡Mas, ved aquel romántico y profundo abismo abierto

en el costado de la verde colina, bajo la sombra de los cedros!

¡Qué lugar tan agreste! ¡El más sagrado y lleno de encantamientos

que jamás fue visitado bajo la luna menguante

por la mujer que clama por su demonio amante!

Y de este abismo, bullendo en incesante remolino,

como si la tierra respirara con ansioso jadeo,

brotó al instante un poderoso manantial;

y en medio de su repentino e intermitente impulso

enormes fragmentos de roca saltaban como el granizo

o como el trigo que se separa de la paja bajo los golpes del trillador;

y en medio del incesante resonar de las rocas que danzaban en el aire,

surgió a borbotones el sagrado río.

Trazando laberínticos meandros, a lo largo de cinco millas

discurría el sagrado río a través de bosques y valles,

hasta llegar a las cavernas inconmensurables para el hombre

y hundirse con estruendo en un océano sin vida:

y, en medio de este estruendo, oyó Kubla a lo lejos

las voces de sus antepasados que profetizaban la guerra.

La sombra del palacio deleitoso

se reflejaba en medio de las olas,

allí donde se oían los ritmos mezclados

del manantial y los abismos.

Era una maravilla de peculiar diseño

este palacio de deleites bañado por el sol sobre cavernas de hielo.

De una jovencilla que llevaba un dulcémele

tuve una vez una visión:

era una doncella abisinia,

y tocaba su dulcémele

mientras cantaba del monte Abora.

Si fuera capaz de revivir en mí

la música y la letra de su canción

me sentiría penetrado de tan profunda delicia,

que, con música aguda y prolongada,

sería capaz de construir en los aires el palacio,

¡ese palacio soleado! ¡esas grutas de hielo!

Y todos los que oyeran mi música los verían,

y gritarían todos: ¡Cuidado, cuidado!

¡Mirad sus ojos centelleantes, su cabello desmelenado!

Tejed tres veces en torno a él un círculo,

y cerrad los ojos con terror sagrado,

pues él se ha alimentado de ambrosía

y ha bebido la leche del Paraíso.





The Prelude,

quinta-feira, 10 de março de 2016

Elogio às nuvens




Namíbia (Fonte: https://www.facebook.com/MyBeautifulNamibia/?pnref=story) 
 e retrato de Biel Gomes

“Picado por la machaca” , o exotismo de uma cigarra meio cobra, meio lagartixa, meio borboleta-coruja na floresta amazônica.



Cobra-cigarra ou jequitiranaboia (Fulgora sp)
http://viajeaqui.abril.com.br/national-geographic/blog/curiosidade-animal/cobra-cigarra-um-inseto-com-veneno-mortal-o-antidoto-sexo-verdade-ou-mito/

Métodos, de Francis Ponge

"As opiniões mais bem fundadas, os sistemas filosóficos mais harmoniosos sempre me pareceram absolutamente frágeis... um sentimento penoso de inconsistência. Não me sinto nem um pouco seguro no que dizer numa discussão. As opiniões contrárias me parecem quase sempre igualmente válidas; digamos, para sem mais exatos: nem menos nem mais válidas. (...) Empregamos o tom de convicção (e mesmo de sinceridade), me parece, tanto pra nos convencermos a nós mesmo quanto para convencer o interlocutor, e ainda, para substituir a convicção. De alguma forma, pra substituir a verdade ausente das proposições emitidas. Eis o que sinto, no fundo. (...) Não consigo entender como alguns conseguem se gabar delas. Para mim, é insuportável querer impô-las."

Hamlet e a tempestade

"Há silêncio nos céus, as nuvens ficam imóveis,
Ventos selvagens passam mudos,
E a terra gira como morta, antes que súbito,
Brutal, um trovão gigantesco rasgue o espaço".
Hamlet/Shakespeare Ato II - texto recitado pelo Primeiro Ator

Cadernos de Paul Klee digitalizados

The notebooks of Paul Klee, all 3,900 pages that the Swiss-German artist used to teach art at Bauhaus, from 1921 to 1931, are online.

The original documents, save eight pages, are held at Zentrum Paul Klee in Bern, Germany. Browse the pages of these foundational documents:

http://www.kleegestaltungslehre.zpk.org/ee/ZPK/BF/2012/01/01/001/

A metafísica de Alberto Caeiro

V
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o solicitado
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de
todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar frutos na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

(Alberto Caeiro)

Editora MINCHO Bogotá

Bettina Henni na Minchō Press, um projeto lindo autogestionado que esteve em exibição no EL PARCHE Artist Residency, Bogotá/Colômbia.

http://minchomag.com/

quarta-feira, 9 de março de 2016

About security zone, by Vito Acconci


Maestra del Bisso

Trabalho delicado de integração entre artifício e natureza, a última mestra do "bisso", chamado também de fio da água. A não artesã e não artista Chiara Vigo utiliza para sua tecelagem os filamentos produzidos por moluscos que, em ambiente aquático, o utilizam para se prenderem às paredes, onde filtram alimentos ou se reproduzem:



Esboço///
Osório: 20 lagoas, inúmeros caramujos > moluscos e conchas > corpo frágil que libera substância para sua fortaleza > Paul Valery - "O homem e a concha" > Piaget no início de seu trabalho de epistemologia observava os moluscos > a obra de arte como a concha do artista, que sobrevive ao seu corpo frágil (fluxo de pensamento)

Dedicatória de Jorge Luis Borges a Elsa

Dedicatória de Jorge Luis Borges a Elsa Astete, sua primeira mulher. Algum tempo depois ele fugiria de casa, sem coragem para discutir a separação. C'est la vie! Quem diria!
"Todo presente verdadeiro é recíproco. Deus, de Quem recebemos o mundo, recebe de Suas criaturas o mundo. O que é uma dedicatória, o que é esta página? Não é o dom dessa coisa entre as coisas, um livro, nem dos caracteres que o compõem; é , de alguma maneira mágica, o dom do inacessível tempo em que foi escrito e, o que sem dúvida não é menos íntimo, do amanhã e do hoje. Só podemos dar o amor, do qual todas as outras coisas são símbolos. Elsa, é seu o livro. Para que acrescentar palavras vãs e laboriosas ao que nós dois sentimos?"

Andares [Stockwerke] - trad. de Peter Bichsel por Jônatas Protes

Na falta de coisa melhor, podemos imaginar uma
casa, uma casa com quatro andares, com uma escada
que os une e separa, com um telhado; uma casa numa
rua, espremida entre outras casas, em terrno
valorizado, as janelas dando para a rua, a entrada
pelo saguão.
Ninguém iria morar no térreo. No térreo nunca se viu
alguém. No térreo fica a mesma porta marrom,
verniz lascado, vidraças opacas, cortinas de listras
azuis. No térreo, talvez, não more ninguém.
Primeiro andar: Porta marrom, verniz lascado,
vidraças opacas. Aqui mora alguém.
Segundo andar: Aqui também mora alguém.
E no terceiro andar está morando alguém.
Se alguém sai, alguém chega de mudança. No
primeiro dia sentimos o odor, farejamos a preferência
pelo alho, o odor de óleo do mecânico ou pó de serra
do carpinteiro, depois quem sabe o cheiro de fraldas
infantis, mas então, já no terceiro dia, o odor
pertence à casa, e ela volta a ser a casa com quatro
andares.
No segundo andar voltou a morar alguém.
Trocaram as plaquinhas da porta.
Um montador telefônico abre a caixinha embaixo do
corredor, altera os contatos e xinga, altera outra vez e
vai embora.
Vai ver tem alguém morando no térreo.
Na primavera, 4 de abril por exemplo, o sol projetou
um desenho nas escadas entre o segundo e o terceiro
andar, igual no ano passado.
A menina do terceiro andar bate à porta do segundo
e, tímida e educada, pede à mulher se pode pegar a
bola que caiu do terceiro andar na sacada do
segundo.
O sótão é dividido por ripas, cada andar tem sua
divisão, todas protegidas por cadeado; em segurança,
aqui também são guardados colchões velhos, álbuns
de foto, diários, espelhos.
Alguém varre o sótão a cada duas semanas.
Mascates começam tocando a campainha do último
andar. Depois que perguntam se alguém ainda mora
em cima, eles descem, tocam a campainha do
segundo, depois a do primeiro, depois a do térreo. A
esperança facilita a subida e, decepcionados, resta
apenas descer, escada abaixo. Mascates têm a ver
com casas.
Guardas florestais têm a ver com florestas. Mulheres
têm a ver com esperar.
Casas são casas.

A arte é como a vida, o que importa é fazer algo interessante com ela. Vila-Matas na Documenta

"A arte é como a vida, o que importa é fazer algo interessante com ela. Alguma coisa com a neve e a luz e a madeira antiga e a corrente de ar que ao rés do chão anuncia de imediato o outono; tudo isso reflete o rastro que o instante deixa e nos concede o consolo de saber que a luz, a chuva, a velha porta, a névoa no cais e o último pássaro, o vento e aquela montanha, sempre foram admiráveis porque, ao contrário dos demais, souberam persistir no seu ser." Vila-Matas

Leia na íntegra: http://www.peixe-eletrico.com/#!O-escritor-da-arte/cctx/55b0e3690cf24f011b654138

Expedição Philosophica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá

Pérolas da "Expedição Philosophica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá", de Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1827. 
Fonte: http://digital.museus.ul.pt/items/show/2816


Representação do ninho de barro de Polybia singularis Ducke, 1909, vespa amazónica conhecida pelo nome popular de tamatiá-cáua. Pérolas da "Expedição Philosophica pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá", de Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1827.

 


Homem-vulva



Maureen Bisilliat
Homem-vulva

Travessias

 Rosa Bonheur, "Changement de pâturages" (mudança de pastagens), 1868






As águas cobrem o bigode,
a família, Itabira, tudo.
(Viagem Na Família, Carlos Drummond de Andrade)




Outubro de 2015, Lagoa do Peixoto, Osório







Certa vez Manoel de Barros escreveu: "Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos". Eu acrescentaria: e na boca dos patos. Na calmaria da lagoa, sem que eu desejasse nada, a não ser arremessar um texto incompreensível para vê-lo boiar sem sentido, como um pequeno ruído no espelho imenso de uma água sem ondas, fui surpreendida pela audácia dos patos. Eles começaram a brincar com a linguagem feito criança a balbuciar as primeiras palavras




Osório, Lagoa do Peixoto, julho de 2015. 










Remembranças e Naegação Lacustre Osório-Torres - bibliografia sobre Osório

Eis q acabam de chegar às minhas mãos essas duas pérolas:
Obrigada Vanda Moraes e família!
Adorei o cap. 14... Pequeno dicionário informal de objetos e palavras desaparecidas do falar arroiense, ou quase.

Bibliografia sobre Porto lacustre Osório-Torres


Orvalho tecido na manhã, entre Caymmi e a sabedoria da aranha

O vento que faz cantigas nas folhas e leva com ele o orvalho tecido na manhã.
https://www.youtube.com/watch?v=TECgc3sZTko (Dorival Caymmi)

Don't Sleep, There Are Snakes: Life and Language in the Amazonian Jungle

Os Pirahã não tem horário fixo de sono, dormem quando o sono vem, sempre há alguém acordado na tribo. Em um lugar cercado por cobras, essa "falta de regra" colabora com a regra maior de manutenção da vida.

Daniel Everett, antigo aluno de Chomsky, colocou em xeque a teoria da regra universal aplicável a todas as línguas faladas no mundo. Os Pirahã (tribo da Amazônia) usam apenas oito consoantes e três vogais, mas o seu idioma possui grande variedade de tons, sílabas longas e sílabas fortes, e eles podem usar recursos como cantar, cantarolar baixo ou assobiar conversas inteiras. Os fonemas incluem também sons lamentosos nasais, respirações curtas e precisas e sons feitos com estalos ou simplesmente por bater os lábios. As diferenças de significado entre palavras pode depender apenas de mudanças de volume: "amigo" e "inimigo" diferem apenas no volume de uma única sílaba. Os Pirahã também não têm palavras para designar números ou quantidades – termos como "tudo", "cada um", "cada", "muito" ou "pouco" -, algo que era considerado comum a todas as línguas. https://www.youtube.com/watch?v=v7Spzjh9QgA

No útero da linguagem - instalação de Lilian Maus, 2015


A instalação "No útero da linguagem", foi apresentada por mim no espaço Complex, para o projeto Adidas/Superstar - Porto Alegre, no dia 3 de outubro.


O poeta francês Francis Ponge costumava dizer que descobriu a poesia como um método para fazer as coisas mudas falarem. Foi assim que escreveu “O partido das coisas”, obra em que se alegrava dando ao mundo formas arbitrárias e banais, tais como a esponja da sua banheira ou um buraco de fechadura com uma chave dentro. Em sua poesia, Ponge costumava resgatar não aquilo que brilha e salta aos olhos, mas aqueles objetos que costumam se perder na periferia opaca do olhar.
Talvez hoje, nas cidades, tenhamos restringido aos observatórios astronômicos o culto antigo de observação dos astros. As estrelas não ditam mais nosso destino, elas nos parecem mais opacas. Não apenas nossas casas e ruas iluminadas à noite ofuscam o seu brilho, como também nossos iphones e smartphones passaram a produzir constelações de outra ordem, em que um simples clique no touch screen concretiza a celebração de uma nova estrela, cuja existência não ultrapassa, por vezes, a casa dos segundos.
À medida que nossa codificação do mundo avança, acabamos nos afastando dos nossos referentes. No entanto, a poesia tem esse poder de nos fazer retornar, de provocar certos desmoronamentos na linguagem, a ponto de abrir fissuras nas palavras. A instalação “No útero da linguagem” brota dessas rachaduras comuns à poesia e à linguagem dos infantes. E faz dos escombros do termo “superstar” um possível abrigo e simulacro celeste, onde torna-se possível uma prosa do mundo, em que corpo, mente, palavras e coisas convivem e se desdobram no espaço, como um crochê alinhavado aos poucos.

Desenhar é minha mandala

"Assim pela escritura desço ao vulcão, me aproximo das Mães, me conecto com o Centro - seja o que for. Escrever é desenhar minha mandala e ao mesmo tempo percorrê-la, inventar a purificação purificando-se; tarefa de pobre chamán branco com cuecas de nylon." Julio Cortázar // Fotos abaixo do meu querido e talentoso amigo Raul Krebs.

Entrevista com Bill Viola

Indicação de Mário Furtado Fontanive, recomendo! Uma bela entrevista com Bill Viola, que um dia foi uma criança introvertida, como tantos de nós. Lembrando que a realidade contempla também esses mundos fantásticos que criamos em nosso anterior, nem toda verdade está lá fora:

Maloja Snake: a serpente do tempo (filme de Arnold Fanck, 1924), a montanha de Nietzsche

Das Wolkenphänomen in Maloja are so well-known that some of them have names, such as the Maloja snake, a cloud bank that winds its way through the Alpine pass like a river. Clouds pass overhead, Fanck films them, just sufficiently to get the idea, among the crags of the Engadine, and gradually he connotes the wider scene, peopling the solitude and stillness below with a person or two, boating.

Der Film widmet sich dem Naturschauspiel der Wolkenbewegungen hoch über den Gipfeln der Engadiner Bergwelt. In ausgedehnten Fotostudien zeigt der Film vor allem die ungewöhnlichen Wolkenformationen rund um den Engadiner Malojapass, die durch besondere Luftausgleichsströmungen entstehen. Feuchte Luft verwandelt sich in Wolken und wird wie in einem Wasserfall über den Malojapass gedrückt (siehe auch Maloja-Schlange), während darüber die Sonne scheint. Der Nordwind treibt die höher gelegenen Wolken gegenläufig wieder nach Süden. Nach und nach wird die Stille und Einsamkeit der Szenerie mit Aufnahmen von zwei Bootsfahrern konnotiert, die im Angesicht der imposanten Bergwelt auf einem See fahren.

Cineastas Mulheres

Descobri hoje grandes cineastas mulheres que eu não conhecia, como a pioneira francesa Alice Guy-Blaché (1873-1968), que dirigiu mais de 700 filmes, a maior parte deles perdido hoje pela deterioração do tempo. Contribuição importantíssima para a história do cinema.

https://www.youtube.com/watch?v=CYbQO6pwuNs

Colección Bachué y Espacio El Dorado/Bogotá


El mito de Bachué se ha convertido en una interesante colección:

http://espacioeldorado.com/
https://www.instagram.com/espacioeldorado/?hl=si

Artistas viajantes - acervo do Banco de la República (Colombia)

Para quem se interessa pelo tema artistas/viajantes, vale a pena conferir o acervo digitalizado do Banco de la República (Colômbia)

http://www.banrepcultural.org/blaavirtual/impresiones_viaje_america/la_obra

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Toda novidade é esquecimento/diferimento/alteração - Paz López sobre a exposição Contiguo, de Claudia Lee e Francisca Montes, uma parceria entre Galería Metropolitana e ECARTA (Tradução: Lilian Maus)

 

A mostra Contíguo anuncia-se como um projeto das artistas visuais Claudia Lee e Francisca Montes sobre um território específico: o Parque André Jarlan, da comuna Pedro Aguirre Cerda, parque que recebeu seu nome em homenagem ao sacerdote francês, que chegou ao Chile em 1983 e tristemente foi assassinado, um ano depois, por uma bala que carabineiros lançam aos ares em meio a uma invasão da população de La Victoria. A bala atravessa a parede de madeira da casa paroquial e atinge diretamente o pescoço de Jarlan. O sacerdote morre com a bíblia entre as mãos.
Nenhuma das obras que compõem Contíguo aludem a essa gélida cena gore, e não o fazem porque tanto Montes como Lee optam por ingressar nesse território desde uma particular estrangeiridade. Foi Barthes quem reconheceu no olhar do estrangeiro a possibilidade de uma particular revolução dos signos, uma proteção deliciosa frente aos tópicos da nossa cultura paterna, um espécie de tremor ou uma sacudida. Como estrangeiras, e não como turistas, então, as artistas enfrentam esse território que traz também o emblema do grande pesadelo do Chile.

Contíguo não é um nome que busca reconciliar alternativas artísticas singulares, mas, sim, que procede mantendo o produtivo abismo que existe entre as paixões formais e visuais de Montes e Lee. Se tivéssemos que reconhecer um princípio de vizinhança, este estaria ao lado de um trabalho sobre o olhar que implicasse uma leitura do território associando o aéreo e o terrestre, respectivamente.
Claudia Lee percorre a cidade como se tivesse um tamanho de um pequeno animalzinho, atenta aos rumos dos objetos diante do tempo, da negligência ou do próprio ciclo da natureza que se acumula sobre as superfícies que examina. São objetos, à primeira vista, mudos, austeros, insignificantes, que tão somente a menção da palavra “arte” ou “política” bastaria para ruborizá-los. Caixas de vinho e leite, garrafas de água mineral, estrume de coelho, papéis que um andarilho descuidado perdeu ou deixou cair de suas mãos. No entanto, a qualidade  cromática e o paciente trabalho que Lee opera sobre esses objetos acrescenta aos amontoados que conformam esta mostra um suplemento de afeto que gera a ilusão de se tratar de peças únicas: objetos comuns que falam em um código íntimo, objetos pedestres manipulados com extrema delicadeza.


Assim, leva ao cúmulo do esteriótipo – a fazenda colonial da caixa de vinho,  o copo da caixa de leite, a Cordilheira dos Andes da garrafa de água que a artista enquadra e exibe – e a série de estrume de coelho depurada das mazelas e amontoadas de volta em uma pilha; a reprodução em série de um papel encontrado ao acaso; os moldes de uma fonte de água construídos em gesso. Lee satura de signos o espectador; porém, o faz resistindo à iconicidade e à logotipia que portam. O que resulta é uma complexa máquina  memorativa, como se o trabalho de arte fosse, antes de tudo, uma operação de transposição das formas de um registro ao outro, a elaboração de um material preexistente.
Em El sueño de don Bosco – o título da obra já alude ao aspecto de hieróglifo que porta – os objetos são submetidos a uma dupla operação: substituição e analogia. Objetos então recíprocos, conversos, correspondentes entre si. Os amontoados funcionam como uma cadeia simbólica –sem princípio nem fim- que permitem passar de uma imagem à outra por meio da semelhança, tornando visível os traços de atualidade e anacronismo, de originalidade e remissão que porta, simultaneamente, todo objeto da cultura. Afinal, como produzir uma diferença onde o que existe é subordinação e parasitismo das formas? O trabalho de Claudia Lee nos confronta com a dimensão política que atravessa todo ato da memória. Nela coexistem a economia da acumulação e da variação e é do choque de ambas que se desperta a faísca vital.


Francisca Montes ensaia em Halo 5 uma variação do que vem explorando em seus últimos trabalhos: o olhar aéreo do território como método privilegiado de conhecimento. Com um dron, uma câmera de vídeo e os artefatos lumínicos que simulam uma pista de aterrissagem, Montes se adentra no Parque André Jarlan e o que nos traz de volta é um registro em três telas desse sobrevôo. Uma viagem de exploração do mundo cotidiano que se torna assim, singularmente, estranho. Shklovski dizia que a tarefa da arte consiste em “darmos uma sensibilidade para o objeto, uma sensibilidade que é ver, e não um mero reconhecer”. Se a imagem área desestabilizou o enquadramento retangular da pintura que organizava um olhar vertical e horizontal, o que nos oferece, então, é uma realidade sem ponto fixo, sem ponto de vista, sem horizonte nem perspectiva. Assim são as imagens de Montes: desconcertantes e rompidas, capazes de submeter os espaços supostamente conhecidos a um estranhamento que exige do espectador um trabalho de analogia, de busca de semelhanças entre as formas, que sempre chegam com retardo. Imagens em suspensão, que não descrevem mundos imaginários nem utópicos – em nenhum lugar, em nenhuma parte – mas, sim, o comum pisado pela primeira vez.
Mediante ao olhar aéreo – que excede em potência a tudo o que pode o olho – o  mundo pode ser objeto de outro tipo de conhecimento, lá onde as imagens já não se referem somente a uma realidade pré-existente, mas, sim, às regras que se originam a partir da sua própria montagem. Porque para Montes o mundo parece ser ele mesmo um laboratório experimental, onde os acontecimentos ou territórios mais codificados ou rigidamente enquadrados estalam e, então, nos convidam a “realizar com calma viagens de aventuras entre seus escombros”, agora fragmentadas em múltiplas imagens.

Em Contíguo, tanto o olhar ao nível da terra como a visão aérea exploram um território para abrir aí um espaço de experiência que, diferentemente do olhar do turista – que consome signos já cifrados, tem a forma de uma viagem até uma proximidade desconhecida. 


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Texto Original:

Toda novedad es olvido/diferimiento/alteración - por Paz López

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La muestra Contiguo se anuncia como un proyecto de las artistas visuales Claudia Lee y Francisca Montes sobre un territorio específico: el Parque André Jarlan de la comuna Pedro Aguirre Cerda, parque que recibe su nombre en homenaje al sacerdote francés arribado a Chile en 1983 y tristemente asesinado un año después por una bala que carabineros lanza al aire en medio de un allanamiento a la población La Victoria. La bala atraviesa la pared de madera de la casa parroquial e impacta directamente en el cuello de Jarlan. El sacerdote muere con la biblia entre las manos.
Ninguna de las dos obras que componen Contiguo aluden a esta gélida escena gore, y no lo hacen porque tanto Montes como Lee optan por ingresar a ese territorio desde una particular extranjería. Fue Barthes quien reconoció en la mirada del extranjero la posibilidad de una particular revolución de los signos, una protección deliciosa frente a los tópicos de nuestra cultura paterna, un temblor o una sacudida. Como extranjeras y no como turistas, entonces, se enfrentan las artistas a este territorio que ha sido también la cifra de la gran pesadilla de Chile.

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Contiguo no es un nombre que busca reconciliar alternativas artísticas singulares sino que procede manteniendo el productivo abismo que existe entre las pasiones formales y visuales de Montes y Lee. Si tuviéramos que reconocer un principio de vecindad, este estaría del lado de un trabajo sobre la mirada que implica una lectura del territorio asociada a lo aéreo y lo terrestre respectivamente.
Claudia Lee recorre la ciudad como si tuviera el tamaño de un pequeño animalito, atenta a las rumas de objetos que el tiempo, la desidia o el propio ciclo de la naturaleza acumulan sobre las superficies que examina. Son objetos a primera vista mudos, austeros, insignificantes, que la sola mención de la palabra arte o política bastaría para ruborizarlos. Cajas de vino y leche, botellas de agua mineral, cacas de conejo, papeles que un caminante descuidado perdió o dejó caer de sus manos. Sin embargo, la cualidad cromática y el paciente trabajo que Lee opera sobre esos objetos, añaden a la ruma que conforma esta muestra un suplemento de afecto que genera la ilusión de tratarse de piezas únicas: objetos comunes que hablan en clave íntima, objetos pedestres manipulados con extrema delicadeza.
Así, en el colmo del estereotipo –la hacienda colonial de la caja de vino, el vaso de la caja de leche, la Cordillera de los Andes de la botella de agua que la artista encuadra y exhibe – y la serie -la caca de conejo depurada de malezas y vuelta a amontonar en la ruma, la reproducción en serie de un papel encontrado al azar, los moldes de una fuente de agua construidos en yeso- Lee satura de signos al espectador, pero lo hace resistiendo la iconocidad y el carácter de logotipo que portan. Lo que resulta es una compleja máquina memorativa, como si el trabajo del arte fuese ante todo una operación de transposición de las formas de un registro a otro, la elaboración de un material preexistente.
En El sueño de don Bosco -el título de la obra ya alude al carácter de jeroglífico que porta- los objetos son sometidos a una doble operación: sustitución y analogía. Objetos entonces recíprocos, conversos, correspondientes entre sí. La ruma funciona como una cadena simbólica –sin principio ni fin- que permite pasar de una imagen a otra por vía de la semejanza, volviendo visible el rasgo de actualidad y anacronismo, de originalidad y remisión que porta de modo simultáneo todo objeto de la cultura. ¿Cómo producir una diferencia donde lo que existiría es subordinación y parasitismo de las formas?  El trabajo de Claudia Lee nos confronta con la dimensión política que atraviesa todo acto de la memoria. En ella coexisten una economía de la acumulación y la variación, y en el choque de ambas se despereza su chispa vital.

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Francisca Montes ensaya en Halo 5 una variación de lo que ha venido explorando en sus últimos trabajos: la mirada áerea del territorio como método privilegiado de conocimiento. Con un dron, una cámara de video y los artilugios lumínicos que simulan una pista de aterrizaje, Montes se adentra en el Parque André Jarlan y lo que nos trae de vuelta es una registro en tres pantallas de ese sobrevuelo. Un viaje de exploración del mundo cotidiano que se vuelve así singularmente extraño. Shklovski decía que la tarea del arte consiste en “darnos una sensibilidad para el objeto, una sensibilidad que es ver, y no un mero reconocer”. Si la imagen área desestabilizó el marco rectangular de la pintura que organizaba una mirada vertical y horizontal, lo que nos ofrece entonces es una realidad sin punto fijo, sin punto de mira, sin horizonte ni perspectiva. Así son las imágenes de Montes, desconcertantes y rotas, capaces de someter los espacios supuestamente conocidos a un extrañamiento que exige al espectador un trabajo de analogía, de búsqueda de semejanzas entre las formas, que siempre llega con retardo. Imágenes en suspenso, que no describen mundos imaginarios ni utópicos –en ningún lugar, en ninguna parte- sino lo siempre igual como si fuera un espacio que se pisa por primera vez.
Mediante la mirada área –que excede en potencia a todo lo que puede un ojo- el mundo puede ser objeto de otro tipo de conocimiento, allí donde las imágenes ya no refieren solamente a una realidad preexistente sino a reglas que se originan a partir del propio montaje de ellas. Porque para Montes el mundo parece ser él mismo un laboratorio experimental, donde los acontecimientos o territorios más sobrecodificados o más rígidamente encuadrados estallan y entonces nos invita a “realizar con calma viajes de aventuras entre sus escombros” ahora desperdigados en múltiples imágenes.

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En Contiguo, tanto la mirada a ras de tierra como la visión área exploran un territorio para abrir allí un espacio de experiencia que, a diferencia de la mirada del turista -que consume signos ya cifrados- tiene la forma de un viaje hacia una cercanía desconocida.