A quem cabe nomear e classificar a
paisagem? Toda paisagem se faz na relação de seus componentes e o
grande desafio é perceber, separar, ordenar algo que nos impele na
sua totalidade. A paisagem, segundo Cauquelin, é um imperativo:
“olhe isto, é uma paisagem!” e, nesta qualidade, temos que “ver
o que está diante de meus olhos”. Lilian Maus (RS), na exposição
“Landscape
ou anotações sobre o que escapa” se empenha em nomear a paisagem.
Assim, vai indiciando morfologicamente fenômenos naturais como
nuvens, marés, estrelas, arco-íris. Tal dedicação gera desenhos,
vídeos, fotografias, onde o que nos é familiar, corriqueiro, como o
hábito de desenhar em cadernos infantis, se torna um advento. A
observação de aviões da esquadrilha da fumaça, no ar, merecerá,
com isso, destaque. Mas qual será a imagem a qual poder-se-á
atribuir um nome? A arte, há muito, se utiliza de subterfúgios para
associar sensações, movimentos, tensões a nomes, como se
tratássemos de características da sua fisicalidade. Dizemos que uma
pintura tem ritmo, uma fotografia vibrações, uma cor é cítrica.
Mas esses termos não são da natureza daquelas matérias. Lilian
Maus, nos trabalhos atuais, lança-se à possibilidade de predicar a
arte. Sim, a arte precisa de predicados, como nos esclarecera Marcel
Duchamp, Arthur Danto, entre outros. E a artista lança-se à tarefa
dos nefelibatas, aqueles que vêem coisas em nuvens.
No intervalo entre nomeação e
imagem, Lilian Maus cria séries predicativas: as estrelas são do
mar, cadentes, pertencem ao caderno escolar, são vistas na
superfície das lagoas. Mas do que estamos diante? A produção de
Maus atenta-se, sobretudo, ao desenho, à possibilidade de observar
no estriado da imagem, um mar revolto, ou de perceber que a
liquefação de uma cor pode configurar uma imagem impactante, como
um arco-íris. E assim, a arte de Lilian Maus vai se configurando
entre imagens e nomeações, matérias e alterações. Nos trabalhos
apresentados, segundo a artista, tudo começa com a “observação
do vento em fricção com as nuvens”. Lilian vê coisas em nuvens.
E depois traça a mesma observação junto ao mar. Mas, em tudo, o
vento é protagonista. O vento, aquilo que pode promover a
transubstanciação, fazer as coisas se transformarem. E o estado da
matéria, ao qual a artista se dedica, está exibido como imagem. Com
isso, uma outra pergunta sobrevém. Do que é feita a imagem? Antes
de tudo, como nos esclarecem Hans Belting e Jean Luc-Nancy, de
rastros, vestígios. E agora entendemos o porquê das marcas que
Lilian Maus insiste em nos ofertar. Tais rastros, marcas exibem-se
antes da possibilidade de tornarem-se signo. E a artista é
consciente de que a imagem exerce poder antes de qualquer sentido.
Por isso, o nome das coisas funciona como uma espécie de acordo, a
palavra escrita, a exigência de credibilidade.
O lugar ao qual a arte de Lilian
Maus se dedica permanecerá em suspensão, insular, desertificado,
qual as imagens do cosmos que são calculadas, numeradas, nomeadas,
mas que “ostentam sempre uma falsa evidência fotográfica”, como
afirma Belting. O fato é que “imagem e signo ou palavra continuam
ainda a ser os pilares em tudo o que queremos compreender do mundo”.
Marcelo Campos (RJ)
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