quarta-feira, 9 de março de 2016

Andares [Stockwerke] - trad. de Peter Bichsel por Jônatas Protes

Na falta de coisa melhor, podemos imaginar uma
casa, uma casa com quatro andares, com uma escada
que os une e separa, com um telhado; uma casa numa
rua, espremida entre outras casas, em terrno
valorizado, as janelas dando para a rua, a entrada
pelo saguão.
Ninguém iria morar no térreo. No térreo nunca se viu
alguém. No térreo fica a mesma porta marrom,
verniz lascado, vidraças opacas, cortinas de listras
azuis. No térreo, talvez, não more ninguém.
Primeiro andar: Porta marrom, verniz lascado,
vidraças opacas. Aqui mora alguém.
Segundo andar: Aqui também mora alguém.
E no terceiro andar está morando alguém.
Se alguém sai, alguém chega de mudança. No
primeiro dia sentimos o odor, farejamos a preferência
pelo alho, o odor de óleo do mecânico ou pó de serra
do carpinteiro, depois quem sabe o cheiro de fraldas
infantis, mas então, já no terceiro dia, o odor
pertence à casa, e ela volta a ser a casa com quatro
andares.
No segundo andar voltou a morar alguém.
Trocaram as plaquinhas da porta.
Um montador telefônico abre a caixinha embaixo do
corredor, altera os contatos e xinga, altera outra vez e
vai embora.
Vai ver tem alguém morando no térreo.
Na primavera, 4 de abril por exemplo, o sol projetou
um desenho nas escadas entre o segundo e o terceiro
andar, igual no ano passado.
A menina do terceiro andar bate à porta do segundo
e, tímida e educada, pede à mulher se pode pegar a
bola que caiu do terceiro andar na sacada do
segundo.
O sótão é dividido por ripas, cada andar tem sua
divisão, todas protegidas por cadeado; em segurança,
aqui também são guardados colchões velhos, álbuns
de foto, diários, espelhos.
Alguém varre o sótão a cada duas semanas.
Mascates começam tocando a campainha do último
andar. Depois que perguntam se alguém ainda mora
em cima, eles descem, tocam a campainha do
segundo, depois a do primeiro, depois a do térreo. A
esperança facilita a subida e, decepcionados, resta
apenas descer, escada abaixo. Mascates têm a ver
com casas.
Guardas florestais têm a ver com florestas. Mulheres
têm a ver com esperar.
Casas são casas.

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