segunda-feira, 8 de julho de 2013

"Da opacidade dos espelhos" - texto para exposição Relógio Especular, de Bruno Borne, CCMQ/2013




Na exposição individual  Relógio Especular, Bruno Borne propõe a nós, espectadores, um duplo mergulho no espaço Maurício Rosenblatt. Num primeiro instante, imergimos no abismo criado a partir das animações tridimensionais que simulam o próprio espaço expositivo, porém, esse ambiente virtual nos é apresentado sob um olhar enviesado, construído por meio de jogos de espelhos. Num segundo momento, percebemos que também o tempo é alvo das especulações do artista: os ciclos animados das projeções  em diferentes superfícies demarcam hora, minuto e segundo, respectivamente, atuando como se fossem ponteiros de um relógio imaginário. Esta instalação, concebida como site-specific para uma sala não-convencional da Casa de Cultura Mário Quintana, nos insere em um espaço de jogo onde o próprio lugar da obra de arte está em questão.

O que parece ser um exercício de descrição objetiva do espaço, aos poucos, passa também a ofuscar o que é visto. Diante dos pontos cegos dos espelhos é o nosso próprio modo de ver que se torna alvo de observação e vertigem. Desorientados, buscamos entender as regras do jogo, a fim de explorar nossas ferramentas de percepção. Bruno Borne não desenha o que conhece, pelo contrário, utiliza o desenho para  compreender os espaços que investiga. É desse desejo de apreensão do espaço que o artista cria esses labirintos temporais, em que, generosamente, nos fornece pistas do percurso, a partir de seus documentos do processo.

Trabalhar com site-specific, como faz Bruno, é assumir que o trabalho tem uma presença circunscrita a um tempo-espaço determinado. O fato do trabalho durar por alguns dias, poucas horas ou alguns minutos nos coloca em situação de espera, de desejo de perpetuação, diante desse fim anunciado. No mito de origem da escultura e do desenho, narrado por Plínio, o Velho, a construção da imagem está relacionada ao desejo de presentificar o que está ausente. Trata-se da história da filha do oleiro Butades de Sícion, que busca reter a imagem do jovem por quem está apaixonada desenhando o contorno da  silhueta do amado, projetada pela luz da lamparina na parede do quarto. Se no mito a imagem serve como ferramenta para encobrir uma ausência, no trabalho de Bruno, seu papel é outro. A imagem não visa a substituir o espaço arquitetônico na qual está inserida, mas, sim, a duplicá-lo, gerando um convívio entre esse espaço habitável e aquele  inabitável, produzido pelas simulações e pelos espelhamentos. E é justamente nos pontos opacos desses espelhos que podemos confrontar nossos sistemas de representação.


Lilian Maus
Doutoranda em Poéticas Visuais pelo PPGAV, Instituto de Artes da UFRGS.

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