A mostra Contíguo anuncia-se como um projeto das artistas visuais Claudia Lee e Francisca Montes sobre um território específico: o Parque André Jarlan, da comuna Pedro Aguirre Cerda, parque que recebeu seu nome em homenagem ao sacerdote francês, que chegou ao Chile em 1983 e tristemente foi assassinado, um ano depois, por uma bala que carabineiros lançam aos ares em meio a uma invasão da população de La Victoria. A bala atravessa a parede de madeira da casa paroquial e atinge diretamente o pescoço de Jarlan. O sacerdote morre com a bíblia entre as mãos.
Nenhuma das obras que compõem Contíguo aludem a essa gélida cena gore, e não o fazem porque tanto Montes como Lee optam por ingressar nesse território desde uma particular estrangeiridade. Foi Barthes quem reconheceu no olhar do estrangeiro a possibilidade de uma particular revolução dos signos, uma proteção deliciosa frente aos tópicos da nossa cultura paterna, um espécie de tremor ou uma sacudida. Como estrangeiras, e não como turistas, então, as artistas enfrentam esse território que traz também o emblema do grande pesadelo do Chile.
Contíguo não é um nome que busca reconciliar alternativas artísticas singulares, mas, sim, que procede mantendo o produtivo abismo que existe entre as paixões formais e visuais de Montes e Lee. Se tivéssemos que reconhecer um princípio de vizinhança, este estaria ao lado de um trabalho sobre o olhar que implicasse uma leitura do território associando o aéreo e o terrestre, respectivamente.
Claudia Lee percorre a cidade como se tivesse um tamanho de um pequeno animalzinho, atenta aos rumos dos objetos diante do tempo, da negligência ou do próprio ciclo da natureza que se acumula sobre as superfícies que examina. São objetos, à primeira vista, mudos, austeros, insignificantes, que tão somente a menção da palavra “arte” ou “política” bastaria para ruborizá-los. Caixas de vinho e leite, garrafas de água mineral, estrume de coelho, papéis que um andarilho descuidado perdeu ou deixou cair de suas mãos. No entanto, a qualidade cromática e o paciente trabalho que Lee opera sobre esses objetos acrescenta aos amontoados que conformam esta mostra um suplemento de afeto que gera a ilusão de se tratar de peças únicas: objetos comuns que falam em um código íntimo, objetos pedestres manipulados com extrema delicadeza.
Assim, leva ao cúmulo do esteriótipo – a fazenda colonial da caixa de vinho, o copo da caixa de leite, a Cordilheira dos Andes da garrafa de água que a artista enquadra e exibe – e a série de estrume de coelho depurada das mazelas e amontoadas de volta em uma pilha; a reprodução em série de um papel encontrado ao acaso; os moldes de uma fonte de água construídos em gesso. Lee satura de signos o espectador; porém, o faz resistindo à iconicidade e à logotipia que portam. O que resulta é uma complexa máquina memorativa, como se o trabalho de arte fosse, antes de tudo, uma operação de transposição das formas de um registro ao outro, a elaboração de um material preexistente.
Em El sueño de don Bosco – o título da obra já alude ao aspecto de hieróglifo que porta – os objetos são submetidos a uma dupla operação: substituição e analogia. Objetos então recíprocos, conversos, correspondentes entre si. Os amontoados funcionam como uma cadeia simbólica –sem princípio nem fim- que permitem passar de uma imagem à outra por meio da semelhança, tornando visível os traços de atualidade e anacronismo, de originalidade e remissão que porta, simultaneamente, todo objeto da cultura. Afinal, como produzir uma diferença onde o que existe é subordinação e parasitismo das formas? O trabalho de Claudia Lee nos confronta com a dimensão política que atravessa todo ato da memória. Nela coexistem a economia da acumulação e da variação e é do choque de ambas que se desperta a faísca vital.
Francisca Montes ensaia em Halo 5 uma variação do que vem explorando em seus últimos trabalhos: o olhar aéreo do território como método privilegiado de conhecimento. Com um dron, uma câmera de vídeo e os artefatos lumínicos que simulam uma pista de aterrissagem, Montes se adentra no Parque André Jarlan e o que nos traz de volta é um registro em três telas desse sobrevôo. Uma viagem de exploração do mundo cotidiano que se torna assim, singularmente, estranho. Shklovski dizia que a tarefa da arte consiste em “darmos uma sensibilidade para o objeto, uma sensibilidade que é ver, e não um mero reconhecer”. Se a imagem área desestabilizou o enquadramento retangular da pintura que organizava um olhar vertical e horizontal, o que nos oferece, então, é uma realidade sem ponto fixo, sem ponto de vista, sem horizonte nem perspectiva. Assim são as imagens de Montes: desconcertantes e rompidas, capazes de submeter os espaços supostamente conhecidos a um estranhamento que exige do espectador um trabalho de analogia, de busca de semelhanças entre as formas, que sempre chegam com retardo. Imagens em suspensão, que não descrevem mundos imaginários nem utópicos – em nenhum lugar, em nenhuma parte – mas, sim, o comum pisado pela primeira vez.
Mediante ao olhar aéreo – que excede em potência a tudo o que pode o olho – o mundo pode ser objeto de outro tipo de conhecimento, lá onde as imagens já não se referem somente a uma realidade pré-existente, mas, sim, às regras que se originam a partir da sua própria montagem. Porque para Montes o mundo parece ser ele mesmo um laboratório experimental, onde os acontecimentos ou territórios mais codificados ou rigidamente enquadrados estalam e, então, nos convidam a “realizar com calma viagens de aventuras entre seus escombros”, agora fragmentadas em múltiplas imagens.
Em Contíguo, tanto o olhar ao nível da terra como a visão aérea exploram um território para abrir aí um espaço de experiência que, diferentemente do olhar do turista – que consome signos já cifrados, tem a forma de uma viagem até uma proximidade desconhecida.
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Texto Original:
Toda novedad es olvido/diferimiento/alteración - por Paz López
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La muestra Contiguo se anuncia como un proyecto de las artistas visuales Claudia Lee y Francisca Montes sobre un territorio específico: el Parque André Jarlan de la comuna Pedro Aguirre Cerda, parque que recibe su nombre en homenaje al sacerdote francés arribado a Chile en 1983 y tristemente asesinado un año después por una bala que carabineros lanza al aire en medio de un allanamiento a la población La Victoria. La bala atraviesa la pared de madera de la casa parroquial e impacta directamente en el cuello de Jarlan. El sacerdote muere con la biblia entre las manos.
Ninguna de las dos obras que componen Contiguo aluden a esta gélida escena gore, y no lo hacen porque tanto Montes como Lee optan por ingresar a ese territorio desde una particular extranjería. Fue Barthes quien reconoció en la mirada del extranjero la posibilidad de una particular revolución de los signos, una protección deliciosa frente a los tópicos de nuestra cultura paterna, un temblor o una sacudida. Como extranjeras y no como turistas, entonces, se enfrentan las artistas a este territorio que ha sido también la cifra de la gran pesadilla de Chile.
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Contiguo no es un nombre que busca reconciliar alternativas artísticas singulares sino que procede manteniendo el productivo abismo que existe entre las pasiones formales y visuales de Montes y Lee. Si tuviéramos que reconocer un principio de vecindad, este estaría del lado de un trabajo sobre la mirada que implica una lectura del territorio asociada a lo aéreo y lo terrestre respectivamente.
Claudia Lee recorre la ciudad como si tuviera el tamaño de un pequeño animalito, atenta a las rumas de objetos que el tiempo, la desidia o el propio ciclo de la naturaleza acumulan sobre las superficies que examina. Son objetos a primera vista mudos, austeros, insignificantes, que la sola mención de la palabra arte o política bastaría para ruborizarlos. Cajas de vino y leche, botellas de agua mineral, cacas de conejo, papeles que un caminante descuidado perdió o dejó caer de sus manos. Sin embargo, la cualidad cromática y el paciente trabajo que Lee opera sobre esos objetos, añaden a la ruma que conforma esta muestra un suplemento de afecto que genera la ilusión de tratarse de piezas únicas: objetos comunes que hablan en clave íntima, objetos pedestres manipulados con extrema delicadeza.
Así, en el colmo del estereotipo –la hacienda colonial de la caja de vino, el vaso de la caja de leche, la Cordillera de los Andes de la botella de agua que la artista encuadra y exhibe – y la serie -la caca de conejo depurada de malezas y vuelta a amontonar en la ruma, la reproducción en serie de un papel encontrado al azar, los moldes de una fuente de agua construidos en yeso- Lee satura de signos al espectador, pero lo hace resistiendo la iconocidad y el carácter de logotipo que portan. Lo que resulta es una compleja máquina memorativa, como si el trabajo del arte fuese ante todo una operación de transposición de las formas de un registro a otro, la elaboración de un material preexistente.
En El sueño de don Bosco -el título de la obra ya alude al carácter de jeroglífico que porta- los objetos son sometidos a una doble operación: sustitución y analogía. Objetos entonces recíprocos, conversos, correspondientes entre sí. La ruma funciona como una cadena simbólica –sin principio ni fin- que permite pasar de una imagen a otra por vía de la semejanza, volviendo visible el rasgo de actualidad y anacronismo, de originalidad y remisión que porta de modo simultáneo todo objeto de la cultura. ¿Cómo producir una diferencia donde lo que existiría es subordinación y parasitismo de las formas? El trabajo de Claudia Lee nos confronta con la dimensión política que atraviesa todo acto de la memoria. En ella coexisten una economía de la acumulación y la variación, y en el choque de ambas se despereza su chispa vital.
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Francisca Montes ensaya en Halo 5 una variación de lo que ha venido explorando en sus últimos trabajos: la mirada áerea del territorio como método privilegiado de conocimiento. Con un dron, una cámara de video y los artilugios lumínicos que simulan una pista de aterrizaje, Montes se adentra en el Parque André Jarlan y lo que nos trae de vuelta es una registro en tres pantallas de ese sobrevuelo. Un viaje de exploración del mundo cotidiano que se vuelve así singularmente extraño. Shklovski decía que la tarea del arte consiste en “darnos una sensibilidad para el objeto, una sensibilidad que es ver, y no un mero reconocer”. Si la imagen área desestabilizó el marco rectangular de la pintura que organizaba una mirada vertical y horizontal, lo que nos ofrece entonces es una realidad sin punto fijo, sin punto de mira, sin horizonte ni perspectiva. Así son las imágenes de Montes, desconcertantes y rotas, capaces de someter los espacios supuestamente conocidos a un extrañamiento que exige al espectador un trabajo de analogía, de búsqueda de semejanzas entre las formas, que siempre llega con retardo. Imágenes en suspenso, que no describen mundos imaginarios ni utópicos –en ningún lugar, en ninguna parte- sino lo siempre igual como si fuera un espacio que se pisa por primera vez.
Mediante la mirada área –que excede en potencia a todo lo que puede un ojo- el mundo puede ser objeto de otro tipo de conocimiento, allí donde las imágenes ya no refieren solamente a una realidad preexistente sino a reglas que se originan a partir del propio montaje de ellas. Porque para Montes el mundo parece ser él mismo un laboratorio experimental, donde los acontecimientos o territorios más sobrecodificados o más rígidamente encuadrados estallan y entonces nos invita a “realizar con calma viajes de aventuras entre sus escombros” ahora desperdigados en múltiples imágenes.
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En Contiguo, tanto la mirada a ras de tierra como la visión área exploran un territorio para abrir allí un espacio de experiencia que, a diferencia de la mirada del turista -que consume signos ya cifrados- tiene la forma de un viaje hacia una cercanía desconocida.
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