Infeliz pode ser o homem, mas feliz o artista que o desejo dilacera!
Estou louco por pintar aquela que apareceu tão raras vezes e tão depressa fugiu, como algo belo e fugaz fica atrás do viajante arrastado na noite. Como já faz tempo que ela desapareceu!
Ela é bela, e mais que bela; ela é surpreendente. Nela o negro excede: e tudo o que ela inspira é noturno e profundo. Seus olhos são dois antros em que cintila vagamente o mistério, e seu olhar ilumina como o raio: é uma explosão dentro das trevas.
Eu a compararia a um sol negro, se pudéssemos conceber um astro negro que vertesse a luz e a felicidade. Mas ela lembra mais facilmente a lua, que sem dúvida a marcou com sua temível influência; não aquela lua branca dos idílios, que se assemelha a uma noiva fria, mas a lua sinistra e embriagante, suspensa ao fundo de uma noite tempestuosa e transtornada pelas névoas que correm; não aquela lua mansa e discreta a visitar o sono dos homens puros, mas a lua arrancada do céu, vencida e revoltada, que as Feiticeiras tessalienses obrigam duramente a dançar sobre a relva apavorada!
Na sua fronte pequena residem a vontade tenaz e o amor pela presa. No entanto, na base deste rosto inquietante, em que narinas móveis aspiram o desconhecido e o impossível, rebenta, com graça indizível, o riso de uma grande boca, vermelha e branca, e deliciosa, que faz sonhar com o milagre de uma esplêndida flor desabrochada num terreno vulcânico.
Há mulheres que inspiram o desejo de vencê-las e desfrutá-las; mas esta dá vontade de morrer lentamente sob seu olhar.
Baudelaire, Charles Pierre: pequenos poemas em prosa. Florianópolis: ed. da UFSC, 1996. Trad.: Dorothée de
Bruchard, p. 189-190
quinta-feira, 26 de junho de 2008
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2 comentários:
Pelo desejo aqui cheguei. À busca de uma pintura do desejo. Encontrei mais. Baudelaire! Baudelaire! Quando o leio, era tudo o que eu queria dizer! Minha fonte seca. Fico com vergonha da minha pequenez. Obrigada pelo presente.
Desejo de pintar belamente realizado com a imaginação e um pincel de letras...
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