sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Antes da tempestade

1h30 da madrugada, o céu soluçando luz, prepara-se para a tempestade.
Sedenta, observo a noite pela janela do meu apartamento.
Em seguida, entro na cozinha pra tomar água.
Ao levantar o copo, sou invadida por um odor forte. Ele exala da minha mão direita. A quem eu a teria estendido?
Num só golpe, o cheiro sobe até a cabeça. Estou preenchida dele. O odor é franco, oco e cortante.
Feito bolha sinto-me inflar enquanto a pele estica. Ocupo toda a cozinha, sentindo a pressão das paredes.
Memórias vêm em estalos e lançam-me para outros lugares. Todos eles imensos, velhos, pálidos e quase imóveis. Neles os indivíduos não se cruzam, seus corpos desnudos revelam o peso da gravidade, seus olhares se perdem e as vozes desencontradas apenas ecoam. O único ponto de contato entre nós é o cheiro cortante.
De repente minhas memórias são interrompidas por vozes arranhadas que invadem a cozinha.
"Não é de agora, vem de m u i t o tempo", diz uma delas.
E continua: "Mãe, cadê sua camisola? A senhora não pode andar sem camisola pela casa."
A mãe: "Não me enche o saco. Era só o que me faltava."
A filha: "A senhora não sabe mais o que faz. Onde colocou minha carteira de cigarros? Eu não aguento mais isso."
O interfone silencia. Sinto-me murcha sobre as pernas pesadas. O cheiro se esvai.
Olho para o copo d'água vazio e penso que o cheiro era de abandono.
A chuva começa e, entorpecida de sono, sou carregada para cama.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Tramas Suspensas de Janet Echelman


Dica de um amigo, repasso aos navegantes:
Portfólio de Janet Echelman:

http://www.echelman.com/

Fragmento de Rilke em "Cartas a um jovem poeta"

“Deixar amadurecer inteiramente[...] e aguardar com profunda humildade e paciência a hora do parto de uma nova claridade: só isto é viver artisticamente na compreensão e na criação. O tempo não serve de medida – ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva. Aprendo diariamente: a paciência é tudo.”

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Gatunos na mira!




photos by Dora Lúcia Maus

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

domingo, 25 de outubro de 2009

Pergunte ao Pó

Invisivel não é aquilo que não existe........
É algo que deixamos de perceber por um momento.
Alguns não perceberão determinadas coisas por toda a vida.................
Cabe a nós a decisão de transmutar certos sentidos.........
Como uma poeira intelegível...............

(enviado por Alexandre Antunes)

sábado, 24 de outubro de 2009

M|AR - Série Películas - Antiga Fábrica Cotada - Pelotas/RS 2009

M|AR é meu último trabalho da Série Películas, realizado em Pelotas/RS,
na ocupação organizada por José Pellegrin, na antiga fábrica "Cotada" (Praça da Alfândega, 15).
O projeto conta com mais de setenta artistas, dentre eles estão James Zortéa, Túlio Pinto e Guilherme Dable, também integrantes do Atelier Subterrânea.

O trabalho M|AR começou em uma viagem que fiz de Pelotas a Porto Alegre, quando avistei, ao entrar no banheiro feminino de um bar, uma imagem em suspensão.


Era uma janelinha basculante recoberta de terra e tinta negra que se abria lentamente ao azul intenso do céu, através das fissuras da escrita teimosa de alguém que um dia subiu no sofá velho fixado abaixo desta janela para grafar simplesmente "MAR" e "TERRA", palavras tão estranhas às escritas típicas de banheiro.



Aquilo me moveu. Com o peito inflado, eu ainda agora oscilo entre o céu azul e a luz branca das estrelas, que brotavam do negro daquela poeira acumulada. A imagem se expandiu e ganhou um novo lugar: a janela da antiga fábrica Cotada, em Pelotas.
















E foi assim que começou este trabalho.
Imagens em: http://www.flickr.com/photos/lilianmaus/"

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Pitadas de Clarice no oco das palavras




"Atrás do pensamento não há palavras. É-se."

"Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora."

"Tente entender o que pinto e o que escrevo agora. Vou explicar: na pintura como na escritura procuro ver estritamente no momento em que vejo – e não ver através da memória de ter visto num instante passado. O instante é este."

(Clarice Lispector - Água Viva)

As imagens postadas são de um trabalho artístico recente chamado "Por uma estética de Botequim", da Série "Tramas Diárias". Ele está exposto na mostra "Ateliê Subterrânea 2009", que está aberta à visitação até 28 de novembro, no Atelier Subterrânea (Av. Independência, 745/Subsolo). Mais info: www.subterranea.art.br

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Publicações na Revista Panorama Crítico

Pra quem curte ler e/ou escrever sobre arte, fica a dica da Revista Panorama Crítico, uma iniciativa de Alexandre Nicolodi e Denis Nicola, que vivem em Porto Alegre.

Nesta 3ª edição há 2 ensaios que estão, de algum modo, relacionados ao Atelier Subterrânea. São eles:



**Documentos de Trabalho: cartografias do olhar, escrito por mim, na disciplina ministrada pelo Prof. Dr. Flávio Gonçalves no PPGAV/IA - UFRGS;





**Lia no infinitivo, escrito por Vitor Butkus, a partir da exposição "Pele de Boneca", de Lia Menna Barreto, no Atelier Subterrânea.





Acesse oss ensaios em: www.panoramacritico.com/site/003/ensaios.php


Há também, na edição anterior, uma entrevista que realizei com a artista Maria Helena Bernardes, a quem admiro profundamente. Não apenas pela obra artística, mas também por sua generosidade. Acesse em:

www.panoramacritico.com/site/002/entrevistas.php

sábado, 19 de setembro de 2009

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Gatuno na espreita


Saudades do meu gato.
Ele deve estar se aventurando em Osório, fingindo selvageria, hehehe

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Estudo para a série Películas


Fazer faxina em casa lavando pratos, mexendo na água, varrendo, tudo isso costuma me dar ideias. Esse trabalho solitário normalmente torna-se visível apenas em sua ausência, com o excesso de sujeira acumulada. Hoje ele permitiu-me sentir a bela sintonia entre o ritmo das mãos e do pensamento.
Lembrei agora de um amigo que fala que, por sua vez, tem uma outra amiga que diz: "Kant é bom até pra ariar panela".

Acabei fazendo alguns estudos para uma nova série de trabalho. Provavelmente a série se chamará Películas.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Link para minha imagem no site oficial Moleskine

http://www.moleskine.com/mymoleskine/community/2009/05/drawings-diaries.php

Microcosmo reinventado

Jemapur | Clarte from Genki Ito on Vimeo.



The latest film by W+K Tokyo Lab creator, Genki Ito.

A curiosity toward science unfolds into an unknown world...

Taking as its inspiration the sub-atomic world of a nuclear fusion reaction,
Clarte visually re-imagines this microcosm into a beautifully poetic
animation, pulsing and flowing along with Jemapur’s dark and textured sound.

Experimenting with HDV recording, analog footage of milk floating on water,
sediment in rotten wine, and caustics from reflected projector lights were
all incorporated into the digital animation.

Brincadeiras

O encanto da projeção



Subindo em portas



Quem nunca se deixou levar pelo encanto da penumbra? Pelas imagens soltas que surgem na mente ao fechar os olhos.
Um amigo me enviou hoje um fragmento de um livro sedutor:
SENNETT,Richard. O Artífice. Rio de Janeiro, Ed. Record, 2009 pág.233

Este trecho me caiu feito luva:

Na ideia de imaginação de Thomas Hobbes, por exemplo, voltamo-nos para sensações que já experi­mentamos no passado. "A imaginação", dizia ele, "nada mais é que o senti­do em decomposição." Uma vez removido um objeto que nos estimulou "ou fechado o olho, ainda retemos uma imagem da coisa vista, embora mais obscura do que a vimos".

Sobre o assombro:

Os gregos antigos expressavam o assombro na palavra poiein, que deu origem a fazer. No Simpósio, Platão diz que "o que passa do não ser ao ser é uma poesis", uma causa de assombro. O autor moderno Walter Benjamin usa outra palavra grega, aura — "banhando na própria luz" — para designar o assombro ante a existência de uma coisa. Podemos nos assom­brar com frescor, livres de qualquer complicação inicial, com coisas que não fizemos; no caso das coisas que fazemos, contudo, é necessário preparar o terreno da surpresa e do assombro.

sábado, 23 de maio de 2009

Penando para se atrasar

Dica do Lucchesi, repasso aos navegantes:
Vídeo Stop Motion "Sorry, I'm late"
Mais info: http://www.sorry-im-late.com/makingof.html

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Mais um achado de botequim

Sonho pra lá de estranho



Talvez pela busca constante por cabeças de bonecas neste último mês, em função da exposição da artista Lia Menna Barreto no Atelier Subterrânea, associada às lembranças da fazendo do meu avô, tive hoje à noite um sonho pra lá de estranho.
Num galinheiro de uma paisagem repleta de alagados,
os pintos nasciam com cabeças de bonecas.
Eu estava lá, a salvar as criaturinhas da queda n'água,
até que vi a placa "Depósito: Mensageiro da Caridade".

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Trecho do filme Antes do Amanhecer - personagem Jesse James


"Todos os relógios da cidade começam a girar e a tocar
Mas não deixe o tempo te enganar,
pois o tempo não há quem conquiste.
Em angústias e preocupações, a vida escoa vagamente.
E a todos os tempos há de consumir.
Seja agora ou no porvir."

sábado, 24 de janeiro de 2009

"Prisioneiros de gotas d'água, não passamos de animais perpétuos." (O Espelho sem aço, de Max Ernst)



Sua boca estava seca, mas só havia espaço para meio copo d'água.
Sem entusiasmo beberia com goles miúdos o líquido neutro.
Ao entrar na cozinha, avista com desdém o galão d'água vazio.
Resolve então abrir a geladeira:

"Tudo vazio.", pensara ela, já refém da água de torneira de Porto Alegre.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Ensaios e recomeços


Ela não estava lá.
Fechava os olhos, como de costume, e ousava acreditar que tudo se apagava, tal como nos jogos de esconde-esconde.
Sentia-se cega.
Sugada pelos buracos negros de seus próprios olhos, metendo-se de corpo e alma em túneis intermináveis. Ela simplesmente pairava sob a escuridão desviante.

Em sua cabeça leve e oca ecoavam, de um lado a outro, os sons agudos da noite.
Havia ali um sonar constante, semelhante ao dos grilos que imperavam em seu quarto de infância durante as noites sem vento.

Com as pernas pesadas, mal podia mover-se.
Embriagada de uma sonolência inevitável,
ela sentia, naquele instante, todo o seu ser alojar-se no estômago.
Definitivamente, naquela noite, ela não iria jantar.