segunda-feira, 7 de julho de 2008

Qual será a verdadeira? - Baudelaire

Conheci uma certa Bénédicta, que enchia a atmosfera de ideal, e cujos olhos espalhavam o desejo da grandeza, da beleza, da glória e de tudo o que faz crer na imortalidade.

Mas esta moça milagrosa era bela em demasia para viver por longo tempo; assim, morreu poucos dias depois de eu tê-la conhecido, e fui eu mesmo quem a enterrou, num dia em que a primavera agitava seu incensório até dentro dos cemitérios. Fui eu quem a enterrou, bem encerrada num esquife de madeira perfumada e incorruptível como os baús da Índia.

E enquanto meus olhos permaneciam fixados no lugar onde estava enterrado o meu tesouro, avistei subitamente uma pessoinha que se parecia singularmente com a defunta e que, espezinhando a terra fresca com uma violência estranha e histérica, dizia, rindo às gargalhadas: 'Sou eu, a verdadeira Bénédicta! Sou eu, uma bela canalha! E como castigo por sua loucura e cegueira, você me amará assim como sou!"

Mas eu furioso respondi: "Não! Não! Não!" E para melhor acentuar minha recusa, espezinhei tão violentamente a terra que minha perna afundou até joelho na sepultura recente e, como um lobo preso na armadilha, estou atado, quem sabe para sempre, à fossa do ideal.

Baudelaire, Charles Pierre: pequenos poemas em prosa. Florianópolis: ed. da UFSC, 1996. Trad.: Dorothée de
Bruchard, p. 197


Manet, "Na Estufa"

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